O dia 25 de outubro do ano de 2019 será marcado na história do Brasil e, também da Paraíba e, por que não dizer, estará presente também nos livros didáticos escolares, pelo encerramento do ‘Caso 12.332’ da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo Estado Brasileiro. O dia marcou, oficialmente, o encerramento do Caso 12.332, como ficou conhecido internacionalmente o assassinato da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves na CIDH, após 36 anos de sua morte e de quase 20 anos de tramitação na corte internacional.
A Justiça Federal na Paraíba (JFPB) sediou, naquela data deste ano, no edifício-sede do órgão, em João Pessoa, o ato solene de reparação simbólica à memória de Margarida Maria Alves, sindicalista e líder camponesa e defensora dos direitos humanos, assassinada com um tiro de escopeta calibre 12, no rosto, em frente à sua casa. Seus amigos, marido e o único filho com apenas oito anos de idade presenciaram a tragédia naquele dia 12 de agosto de 1983.
O Caso Margarida Maria Alves havia sido protocolado na CIDH no ano 2000 pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Fundação de Direitos Humanos Margarida Maria Alves. De acordo com o Gajop, o processo do assassinato de Margarida Maria Alves é um dos maiores do Estado da Paraíba, contando com 35 caixas de documentos, guardados em sala especial do Fórum de Alagoa Grande.
Precisou um paraibano tomar assumir secretaria – Para José de Arimatéia Alves, filho e testemunha ocular do assassinato de sua mãe, foi preciso que um paraibano tomasse posse numa secretaria nacional de Direitos Humanos para que o caso, que ficou internacionalmente conhecido, fosse definitivamente encerrado, acatando as recomendações da CIDH, entre elas o ato solene de reparação simbólica à memória de sua mãe e o pagamento de indenizações, a título de reparação econômica e por danos morais, para o filho da líder sindical rural assassinada.
“Não tenho duvida de que o secretário Nacional de Proteção Global, Sérgio Queiroz, foi peça fundamental para que esse caso de 20 anos de tramitação na corte internacional e de 36 anos da morte de minha mãe fosse encerrado. Em cada conversa que tínhamos desde quando assumiu a pasta, o secretário se mostrava indignado pelo caso ainda ter sido encerrado e não ter tido a prioridade ao longo desses 20 anos. Ele pensava até que já havia recebido alguma indenização ou compensação pecuniária. Lamentavelmente, governos e mais governos, pós redemocratização, se sucederam no poder e não tomaram para si essa reparação tampouco priorizaram esse caso para que de uma vez por todas chegasse ao fim.
Coube a um paraibano que teve sensibilidade para tomar para si o caso e só apenas descansar quando encerrasse. Muitos já diziam que esse caso estava perdido. Essa dor que enquanto filho de Margarida senti por muitos anos ao lado de meu pai Severino. Infelizmente, meu pai não viu essa reparação acontecer em vida. Ele sempre dizia que os governos estavam nos enganando e que essa indenização somente seria recebida por mim. Foi o que aconteceu. Esse dia 25 de outubro de 2019 foi histórico por esse reconhecimento público do Estado sobre a violação dos direitos de minha mãe. Eu entendo que independente da cor partidária, posicionamento político, aqui se encontra um filho e uma família que foram violentados, que teve sua mãe tirada de forma brusca, quando ainda eu era apenas uma criança. Aquele tiro nunca saiu da minha memória. O Estado ao fazer essa reparação e o pagamento da indenização não apenas pede uma espécie de perdão, mas também reconhece a sua incapacidade de colocar os criminosos de minha mãe na cadeia”, desabafou o filho de Margarida Alves, que esteve na solenidade com a esposa, o neto e familiares da sindicalista.
Oito meses para encerrar um caso de 20 anos – Um mês após assumir a secretaria Nacional de Proteção Global, uma das secretarias que integra o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o paraibano Sérgio Queiroz participou de uma audiência na Bolívia que listava as recomendações para encerrar o caso. Após conversar com a ministra Damares Alves, colocou o caso como uma das prioridades da secretaria e do governo federal. Com o trabalho de oito meses contínuos, todas as recomendações da CDI foram cumpridas e acatadas pelo Estado brasileiro.
“O documento assinado pelo governo brasileiro e o filho de Margarida Maria Alves, José Arimatéia Alves, no dia 25 de outubro foi a última recomendação que o Brasil precisava cumprir enquanto Estado para encerrar o caso. Por ser paraibano, tive a oportunidade de acompanhar o caso mais de perto por ser uma das atribuições da Secretaria Nacional de Proteção Global. Esse caso de Margarida é uma lição que o Brasil passa para o mundo. Esse caso não surgiu neste atual governo. Ele passou por vários outros anos e governos. Contudo, tivemos a prioridade de encerrá-lo, reconhecendo esse crime contra a mãe do professor Arimatéia. O Estado está expressando sua sensibilidade e ao mesmo tempo dizendo que continuaremos lutando contra qualquer tipo de violência e de crimes contra defensores de direitos humanos”, declarou Sérgio Queiroz.
Ato mais importante do Governo – Em sua fala, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves disse que o ato da reparação à Margarida Maria Alves foi o mais importante, até então do governo Jair Bolsonaro, na área de direitos humanos. “Os livros de História do Brasil logo, logo vão falar desse grande dia histórico em que o Estado brasileiro promoveu essa reparação. Assumimos que demorou muito e lamentamos por isso.
Uma morte que se passa por 36 anos e um pedido de reparação que tramitou por 20 anos na corte internacional é tempo demais de espera para encerrar o caso. Contudo, esse governo com dez meses fez o acordo e acatou as normas internacionais desse pedido de reparação. Reconhecemos em Margarida uma mulher que lutou por direitos e justiça, lamentamos demais a forma terrível que ela foi morta e o nosso aceno neste momento é de chega de violência no campo, chega de violência na cidade e também na floresta. Que esse dia seja uma mensagem para o Brasil. É hora de reconciliarmos o Brasil em paz e pela paz”, declarou.
Reconhecimento do Estado Brasileiro – O secretário Sérgio Queiroz afirmou em seu pronunciamento “Preciso afirmar uma coisa e é uma das principais lições que o Brasil precisa compreender: Direitos Humanos não é uma pauta de esquerda, não é uma pauta da direita, nem é uma pauta do centro, Direitos Humanos são pautas para os humanos. Qualquer ser humano pelo simples fato de ser humano merece todas as proteções e também são assegurados a ele todos os direitos. Minhas palavras finais é que tenho muita alegria não com o caso em si, que foi terrível, mas de contar um dia para os meus netos, que um dia como paraibano Deus me deu essa graça de participar de uma reparação simbólica e de encerrar um dos casos que mais entristeceu a história da Paraíba. Quero encerrar dizendo que este ato de reparação e reconhecimento de Margarida Maria Alves não foi um ato de governo, seja das esferas executiva, judiciária ou do legislativo, mas, sim, foi um ato do Estado brasileiro”, finalizou.
QUEM FOI MARGARIDA MARIA ALVES?
Margarida é símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais
Nascida e criada em Alagoa Grande, no Brejo Paraibano, Margarida Maria Alves foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país, além de lutar pelos direitos dos trabalhadores do campo. As suas principais metas de seus 12 anos de gestão no Sindicato foram o de garantir o registro dos trabalhadores com carteira de trabalho, a jornada de 8 horas de trabalho diário, pagamento do 13° salário, férias e demais direitos para os trabalhadores do campo.
Na sua cidade natal, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, uma iniciativa que, até hoje, contribui para o desenvolvimento rural e urbano sustentável, fortalecendo a agricultura familiar.
Em seu discurso na comemoração do Dia do Trabalhador, em 1º de maio de 1983, três meses antes de seu assassinato, Margarida denunciou que vinha recebendo ameaças de morte e proferiu a sua frase mais famosa: ‘É melhor morrer na luta que morrer de fome’. No dia seguinte, em 12 de agosto de 1983, foi assassinada com um tiro de escopeta calibre 12, no rosto, em frente à sua casa, com seus amigos, marido e filho pequeno presenciando tudo. O crime permaneceu impune e teve repercussão internacional, com denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Margarida teve seu nome na história na busca por justiça e direitos dos trabalhadores do campo. Severino, o marido de Margarida, dizia que “ela era uma mulher sem medo, que denunciava as injustiças”. Na época de sua morte, 72 ações trabalhistas estavam sendo movidas contra os fazendeiros locais. A sua história inspiraram a Marcha das Margaridas, que foi criada em 2000.
Símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais, Margarida recebeu, postumamente, o prêmio Pax Christi Internacional, em 1988; em 1994, foi criada, pela Arquidiocese da Paraíba, a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves e, em 2002, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM/RJ).
O dia de seu assassinato, 12 de agosto, é conhecido como o Dia Nacional de Luta contra a Violência no Campo e pela Reforma Agrária.
WSCom/Cristiano Alves