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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Morte de Margarida Maria Alves: 38 anos depois, filho abandona 'desejo de vingança' e busca manter vivo o legado da mãe

A morte de Margarida Maria Alves completa 38 anos nesta quinta-feira (12). A paraibana e sindicalista de Alagoa Grande foi assassinada com um tiro de espingarda no rosto disparado por um matador de aluguel, em 12 de agosto de 1983. José de Arimateia é filho único de Margarida e tinha 8 anos quando a mãe foi morta. Ele chegou a vê-la ensanguentada, após o disparo. 

“Estava brincando na rua da nossa casa, quando ouvi o estampido do tiro. Corri para casa, quando me deparei com o seu corpo totalmente ensanguentado”, relembrou.

Margarida Maria Alves foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Durante 12 anos na presidência da entidade, lutou para que os trabalhadores do campo tivessem seus direitos respeitados. As denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida Alves, resultaram no seu assassinato, encomendado por fazendeiros.

José costumava acompanhar a mãe em todas as atividades do sindicato. "Eu vivia agarrado na barra da saia dela ou vestido".

Morte da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves completa 38 anos
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Morte da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves completa 38 anos

Com a infância interrompida pela tragédia, José de Arimatéia cresceu desejando vingança e conta que chegou a desenvolver alcoolismo. "Aos 18 anos fui embora para o Rio de Janeiro, muito revoltado, me tornei um jovem muito traumatizado e que queria vingança, sonhava com isso todo dia", lembrou.

Depois do período no Rio de Janeiro, onde viveu por alguns anos, ele retornou à Paraíba. Atualmente, vive em João Pessoa com a esposa e quatro filhos. Saudável e sem vícios, José busca levar adiante o legado da mãe.

"Hoje a minha militância é manter vivo o legado e memória de minha mãe", disse.

José de Arimateia com a esposa Anistela — Foto: José de Arimateia/Arquivo pessoal

José de Arimateia com a esposa Anistela — Foto: José de Arimateia/Arquivo pessoal

Estado brasileiro paga indenização

Em novembro de 2019, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), determinou que José de Arimateia ganhasse uma indenização de R$ 431 mil, sendo R$ 181.720 a título de reparação econômica e R$ 250 mil por danos morais pela morte da mãe, paga pelo Estado brasileiro.

Margarida Maria Alves teve sua condição de anistiada política do regime militar reconhecido, e esse ato concede ao anistiado e seus dependentes econômicos o direito à devida reparação pelos danos causados em decorrência da perseguição política.

Os assassinos de Margarida nunca foram condenados e, dos envolvidos, apenas Zito Buarque foi julgado. Ele ficou preso por três meses, tendo sido absolvido em 2001, em João Pessoa.


Legado de Margarida Maria Alves

Líder sindical Margarida Maria Alves foi assassinada em 1983 por motivos políticos, na Paraíba — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução

Líder sindical Margarida Maria Alves foi assassinada em 1983 por motivos políticos, na Paraíba — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução

A historiadora Ana Paula Romão pesquisa memórias camponesas, educação das relações étnico-raciais e ensino de história. Ela explica que a luta de Margarida Maria Alves era pelos direitos trabalhistas do campo, pela educação e pelas mulheres.

“Ela lutou muito pelo direito à carteira profissional, à carteira de trabalho, documentos do trabalhador do campo. Ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto com Paulo Freire. Ela também fundou o movimento Mulheres do Brejo”.

O legado da paraibana incentiva a luta pelos direitos até hoje. A Marcha das Margaridas, por exemplo, acontece desde 2000 e reúne centenas de mulheres do campo em Brasília.

Marcha das Margaridas leva trabalhadoras rurais de todo o país para a Esplanada dos Ministérios; foto registra ato em 2019 — Foto: Afonso Ferreira/G1/Arquivo

Marcha das Margaridas leva trabalhadoras rurais de todo o país para a Esplanada dos Ministérios; foto registra ato em 2019 — Foto: Afonso Ferreira/G1/Arquivo

Para Paulo Germano, procurador do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), as 

causas pelas quais Margarida lutava continuam necessárias, pois muitos trabalhadores do campo ainda não têm seus direitos respeitados.

“As causas do assassinato de Margarida e dezenas de lideranças dos trabalhadores rurais, nas últimas décadas, continuam atuais na zona rural do país. Margarida quis apenas que a legislação trabalhista fosse cumprida no campo. Hoje, milhões de rurícolas continuam sem carteira assinada e registro, à margem do sistema previdenciário e trabalhando com agrotóxicos sem o uso dos EPIs. Só a organização dos trabalhadores, como lutou Margarida, pode avançar esse processo e superar o atraso nas propriedades rurais, sobretudo no Norte e Nordeste brasileiro”, explicou.



G1/PB

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