O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abre nesta terça-feira (23), em Nova York, a 80ª Assembleia Geral da ONU, mantendo a tradição iniciada em 1955 de o Brasil ser o primeiro país a discursar no evento. No entanto, o contexto deste ano é singular: o pronunciamento ocorre em meio à pior crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos em mais de dois séculos, marcada por sanções impostas por Washington a autoridades brasileiras e pela tensão crescente entre os governos de Lula e Donald Trump.
Crise diplomática e sanções inéditas
Na semana anterior ao evento, a Casa Branca anunciou medidas retaliatórias contra integrantes do governo brasileiro e do Judiciário. Entre as ações está a revogação dos vistos da esposa e dos filhos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além de restrições ao advogado-geral da União, Jorge Messias, e a outras cinco autoridades.
As sanções foram adotadas com base na Lei Magnitsky e representam uma resposta direta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que desagrada setores alinhados ao ex-presidente Donald Trump.
A crise diplomática atingiu também a logística da comitiva brasileira em Nova York. Alguns integrantes do grupo enfrentaram dificuldades com vistos, reflexo direto das tensões políticas com o governo norte-americano.
Comitiva e agenda do presidente
Lula está acompanhado por uma equipe ministerial diversa, composta por Mauro Vieira (Relações Exteriores), Marina Silva (Meio Ambiente), Márcia Lopes (Mulheres), Jader Barbalho (Cidades), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública). A escolha dos ministros evidencia a intenção do governo de reforçar uma pauta voltada para direitos sociais, sustentabilidade e cooperação internacional.
O discurso do presidente brasileiro deve girar em torno de três eixos centrais: defesa do multilateralismo, soberania nacional e enfrentamento às mudanças climáticas.
Lula também deve reiterar a necessidade de reformas no Conselho de Segurança da ONU, além de convidar os países membros a se engajarem ativamente na luta ambiental, com destaque para a Conferência das Partes (COP30), marcada para novembro, em Belém (PA).
Tom político e tensão nos bastidores
Outro ponto previsto no discurso é a reafirmação do princípio da não intervenção e da soberania nacional um recado direto às políticas protecionistas dos Estados Unidos, que recentemente aumentaram tarifas contra produtos brasileiros.
Embora ambos estejam lado a lado na tribuna da ONU, não há previsão de encontro formal entre Lula e Donald Trump. Segundo assessores do Palácio do Planalto, o máximo que se espera é um aperto de mãos protocolar. A segurança da agenda presidencial dos EUA, definida pelo Serviço Secreto, pode até mesmo impedir qualquer contato informal entre os dois líderes nas dependências da ONU.
Enquanto Lula deve adotar um tom conciliador, voltado à cooperação global, Trump tende a reforçar sua linha nacionalista. Espera-se que o presidente norte-americano use o púlpito para defender a política de "America First", criticar propostas ambientais multilaterais e justificar cortes no financiamento da ONU.
Brasil exclui EUA de evento sobre democracia
O agravamento da tensão diplomática também se reflete em decisões paralelas à Assembleia Geral. Os Estados Unidos foram excluídos da segunda edição do evento “Em Defesa da Democracia e Contra o Extremismo”, organizado pelo Brasil e aliados, e previsto para quarta-feira (24), também em Nova York.
A exclusão dos EUA é um indicativo claro do distanciamento atual entre as duas nações, que historicamente mantiveram relações diplomáticas estreitas ao longo dos anos. A medida reforça o tom de crítica do governo brasileiro à postura recente de Washington em temas como justiça, meio ambiente e política internacional.
Tradição brasileira na abertura da Assembleia
Desde 1955, o Brasil é o primeiro país a discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU. A tradição começou quando o país se ofereceu para inaugurar os debates em um momento em que outras nações preferiam não assumir esse papel. A prática se consolidou e passou a representar um símbolo da atuação diplomática brasileira no cenário global.
Neste contexto, a fala de Lula carrega peso histórico e político. Além de reiterar o papel do Brasil como defensor da ordem multilateral, a presença do presidente em um cenário internacional marcado por instabilidade e atritos serve também como tentativa de reposicionar o país como voz ativa em temas como democracia, clima e direitos humanos.
Expectativas e próximos passos
O tom final do discurso de Lula pode ser ajustado até momentos antes de sua apresentação, especialmente em razão das recentes sanções impostas por Washington. O Planalto trabalha para equilibrar a defesa da soberania nacional com a manutenção de canais diplomáticos minimamente funcionais com os Estados Unidos.
O impacto das falas de Lula e Trump será observado com atenção tanto por analistas internacionais quanto por líderes globais presentes em Nova York. As reações podem influenciar os desdobramentos da relação bilateral e o posicionamento do Brasil no cenário multilateral, especialmente com a proximidade da COP30.
A Assembleia Geral da ONU, neste ano, não será apenas uma vitrine para discursos políticos, mas também um campo de disputa por narrativas em tempos de profundas transformações geopolíticas.








